Por Daniela Leite e Marília Padilha, advogadas
A socioafetividade surgiu do interesse das pessoas em formalizar seus afetos. Aquela criança que foi criada por um padrasto e que criou um vínculo e um amor tão sólido que achou injusto não poder ter o nome desse pai socioafetivo na sua certidão de nascimento. Até porque, sem essa formalização, ela não era filha e ela e o pai socioafetivo não tinham direitos e obrigações mútuas, como no caso de alguma questão hospitalar, escolar, entre outras do cotidiano familiar.
Assim, até meados de 2017, para formalizar uma relação socioafetiva era necessária a demanda em juízo para viabilizar o registro desse vínculo. Às partes não era dada a chance de se encaminharem diretamente ao cartório de registro de pessoas para solicitar que constasse do respectivo documento uma relação socioafetiva. No sentido de desburocratizar essas relações, surgiram os Provimentos 63/17 e 83/19 do Conselho Nacional de Justiça.
O princípio da isonomia entre as filiações, trazido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, reforçou a ideia de que não há apenas laços afetivos oriundos entre filhos e pais biológicos – os laços construídos durante anos na relação socioafetiva merecem destaque e sua devida equiparação com os laços consanguíneos, o chamado “laço de sangue”.
O Provimento 63/17 do CNJ trouze a desburocratização do direito das famílias, pois, uma vez verificada relação socioafetiva, é mais do que justo facilitar procedimentos, prerrogativas, direitos, obrigações e efeitos de uma relação paterna/materna biológica, tratando-as de forma análogas.
É importante destacar que, a referida norma considerara a ampla aceitação da doutrina e das decisões pátrias como referência, e tomou por base os princípios da dignidade da pessoa humana, também embasada pelo fundamento da filiação civil, onde todos terão direito ao parentesco, não somente os de origem consanguínea, com fulcro no art. 1593 do Código Civil vigente, o que garante tratamento igualitário entre filhos, em observância ao princípio da igualdade jurídica.
A decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Especial nº 898.060, sem dúvidas inovadora, abriu caminho para redefinir os aspectos da filiação, reconhecendo o AFETO o grande protagonista dessa relação. Melhor dizendo, a afetividade ganhou contornos ainda mais grandiosos, saindo do dia a dia das residências e convivências, ganhando um destaque que realmente merece, sem causar nenhum tipo de dualidade entre as relações tradicionalmente aceitas, até então.
Não se olvide que deve haver inequívoca demonstração da existência de relação de pai e filho baseada na afetividade, consubstanciando “um ato de afeto, uma decisão de tornar-se pai de alguém, uma decisão de assumir e exercer a função paterna na vida de outra pessoa”.
Vale ressaltar que o Provimento 63/17, em seu ápice, ganha ainda mais notoriedade, quando equipara a filiação biológica, ganhando igual proteção a relação construída a partir do afeto, fixando a tese de que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitantemente baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Dessa forma, se a criança tiver pai e mãe registrais (por exemplo, biológicos), poderá ser feito o reconhecimento extrajudicial da parentalidade desde que ambos os pais biológicos concordem. E a mesma regra vale caso o filho tenha como pai, no registro, um pai socioafetivo e a mãe biológica, e o pai biológico queira proceder ao reconhecimento posteriormente, devendo ser colhida a anuência dos pais constantes no registro.
3 Comentários
Parabéns, pelo texto esclarecedor, informações pertinentes a nossa atualidade, algumas coisas eu tinha noção, mas não sabia que o cartório poderia reconhecer paternidade socioafetiva. Obrigada por compartilhar!
Perfeito. Bastante esclarecedor sobre essa temática tão comum nos dias de hoje. Diante de um Judiciário tão abarrotado de demandas, esse procedimento veio para dar um suspiro para aqueles que necessitam resolver esse tipo de questão. Parabéns!!!
Muito bom artigo .