Por Welton Roberto, advogado
O fato aconteceu durante um julgamento em Cuiabá/ MT no Brasil. Dia 29 de setembro de 2023, o juiz presidente do Tribunal do Júri, Wladymir Perri, que julgava o réu Jean Richard Garcia Lemos, acusado de ter matado a vítima Cleowerton Oliveira Barbosa, nos idos de 2016, com pelo menos 10 tiros, deu voz de prisão à mãe da vítima, a senhora Sylvia Miriam Tolentino de Oliveira por supostamente ter dito algo a ele, o réu, em algum tom de ameaça.
A mãe da vítima foi chamada para depor em plenário do júri quando então foi inquirida sobre dar seu testemunho na presença do réu, ao tempo em que respondeu que não se importava que ele ouvisse pois para ela “ele não era ninguém”. Foi neste momento que o juiz a advertiu que tivesse respeito com o réu e que tivesse “inteligência emocional”, ao que a mãe retrucou que era inteligente e que sabia o que estava acontecendo ali. De imediato o juiz suspendeu a sessão e a mãe se levantou quando então bateu na mesa e disse algo ao réu. Incontinenti o juiz deu voz de prisão à mãe da vítima.
Para a promotora do caso, Marcelle Rodrigues, que impetrou de imediato habeas corpus em favor da mãe da vítima, o juiz agiu com abuso de autoridade em não respeitar seu luto e não compreender o papel da vítima que ali se encontrava abatida e revivendo toda a dor da perda de um filho.
Eis o caso. E aqui várias indagações. Teria o juiz o poder para mandar prender a mãe da vítima? Qual crime teria supostamente cometido? Qual o papel da vítima em um julgamento criminal?
Entendemos que, no mínimo, houve excesso do juiz ao dar voz de prisão para a mãe da vítima como poder de polícia que detém para conduzir uma plenária popular. Ali estava uma mãe enlutada e com certeza extenuada por esperar mais de 07 anos por um julgamento do assassino de seu filho. Justiça tardia nunca foi justiça!
O juiz deveria ter compreendido a dor de alguém que a única forma de se “revoltar” foi ter tido a coragem de enfrentar o suposto assassino de seu filho e lhe dizer de seu destemor e coragem de enfrenta-lo ali cara a cara. Deveria então ter determinado a retirada do réu do plenário para preservar a pessoa deste e mantendo a ordem dos trabalhos, mas nunca, repito, nunca, ter lançado mão de uma prisão para a mãe da vítima assassinada! Até porque não vi qualquer crime praticado pela mãe. Não com dolus malus, essencial á configuração da tipicidade penal.
É certo que a vítima não desempenha papel principal nas ações penais públicas, devendo comparecer, sempre que possível, para depor e não podendo se escusar de fazê-lo, consoante dita o artigo 201 do diploma processual penal. Pode se fazer representar por assistente de acusação, o que sempre aconselho a fazer, ainda que não possua condições financeiras para tanto, podendo se utilizar da defensoria pública como assistente de seus pleitos. Mas, não é porque a vítima não desempenha papel principal que o juiz pode simplesmente dar voz de prisão sem nenhum fundamento jurídico ou razoabilidade, aqui traduzida por SENSIBILIDADE.
Se outro juiz não fez ao ilustre promotor quando comparou uma advogada a uma cadela! Quiçá, quando uma mãe, provavelmente revoltada, indignada, extenuada e à procura de justiça por seu filho age de maneira claramente emotiva, ainda que destemperada!
Aqui como se vê, pela ausência de um advogado assistente, a mãe teve que ser defendida em sede de habeas corpus por uma promotora pública que viu no ato do juiz um claro e irrazoável constrangimento ilegal.
O tribunal das lágrimas exige preparo, não só jurídico, mas emocional para enfrentar as dores da morte e da liberdade tolhida. E assim, a meu sentir, no julgamento que deveria reparar e acalentar a dor dos 10 tiros sofridos por seu filho, a mãe levou o 11º , dessa vez patrocinada por aquele que deveria ser instrumento de alguma justiça: o estado juiz!