Por Matheus Militão, advogado
Há algumas semanas, foram amplamente noticiadas as prisões da influenciadora digital e advogada Deolane Bezerra e do cantor Gusttavo Lima. As prisões foram decretadas durante uma operação policial que visa apurar as supostas práticas dos crimes de estelionato, jogos de azar, lavagem de capitais e organização criminosa, sob o argumento de que seriam necessárias e adequadas à garantia da ordem pública.
A influenciadora e o cantor estão em liberdade, o que causou grande indignação até mesmo entre alguns operadores do Direito, que afirmaram que o restabelecimento das liberdades causaram descrédito ao Judiciário brasileiro.
Mas, afinal, para que servem as prisões preventivas?
Segundo o Código de Processo Penal, as prisões preventivas são excepcionais e subsidiárias, só podendo ser decretadas quando outras medidas – aplicação de tornozeleira eletrônica, por exemplo – não se mostrarem suficientes à garantia da ordem pública, da ordem econômica, do bom andamento do processo e da correta aplicação da lei penal – finalidades legais da medida aqui tratada.
Para que seja decretada a prisão preventiva, devem estar presentes o fumus comissi delicti e periculum libertatis – ou seja, a prova de que ocorreu algum crime e os indícios de que o destinatário da medida o praticou, bem como a demonstração de que a manutenção de sua liberdade representa um risco às finalidades supracitadas.
Por serem consideradas medidas extremas, a legislação processual penal construiu uma espécie de subsistema para evitar prisões preventivas arbitrárias e ilegais, entretanto, na prática, os anseios populares, a equivocada concepção de que tudo pode ser resolvido através do Direito Criminal, dentre outros fatores, acabam provocando a banalização dessas medidas, por muitas vezes decretadas, como no caso do Gusttavo Lima, para salvaguardar a “credibilidade da justiça”, finalidade ilegal e rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.
A quem cabe garantir a credibilidade da justiça?
É evidente que há um vício em prisões preventivas, pois, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, cerca de 30% da população carcerária brasileira é formada por pessoas presas preventiva ou temporariamente, cifra que não se compatibiliza com a natureza excepcional e subsidiária dessas medidas segregatórias.
Prende-se preventivamente a partir de uma noção de direito penal simbólico e populista, como forma de antecipação da pena, para atender o clamor social e para garantir a credibilidade da Justiça – e é aqui que mora o perigo.
Nos casos Deolane e Gusttavo Lima, investigados pelos chamados “crimes de colarinho branco”, bastaria a decretação de medidas cautelares patrimoniais – sequestro, arresto, apreensão de bens, etc. – para atingir as finalidades processuais, entretanto, de maneira completamente descabida, foram decretadas as prisões preventivas de ambos, as quais, pouco depois, foram revogadas.
Nesse contexto, parece-me que o que abala a credibilidade da justiça são as prisões preventivas ilegais, arbitrárias e desnecessárias, que acabando sendo devidamente revogadas por não estarem em conformidade com os postulados do Direito brasileiro. Aqui, o restabelecimento das liberdades é “medida da mais cristalina justiça”, para usar o antigo jargão, não benesse ou mácula ao Poder Judiciário.
No fim das contas, no que pertine às prisões processuais, cabe aos magistrados e às magistradas, aos promotores e às promotoras de justiça, bem como às autoridades policiais zelar pela credibilidade da Justiça, deixando as paixões de lado e atendo-se à legislação processual penal. Aos advogados e às advogadas, resta a árdua missão de lutar contra as prisões injustas.