Por Matheus Militão
Na última quinta-feira, (31), o ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, foi notificado e compareceu à Polícia Federal, oportunidade na qual optou por exercer o seu direito constitucional ao silêncio.
Considerando que o inelegível apresenta grande dificuldade no trato com as pessoas, uma notória incapacidade de se portar de maneira minimamente urbana e de fazer um discurso coerente sem referências ao próprio falo, o temor pela autoincriminação é justificável e a estratégia defensiva é tecnicamente pertinente.
A opção pelo silêncio virou notícia, tomou conta das redes sociais e gerou discussão no meio jurídico, chegando até mesmo ao grande e respeitadíssimo jurista Lênio Streck, que se posicionou de uma forma, no mínimo, curiosa.
Lênio Streck fez algumas ponderações a respeito do direito constitucional ao silêncio, trouxe algumas reflexões inquietantes e arrematou dizendo que há limites ao seu exercício, pontuando que o silêncio pode ser utilizado em desfavor do investigado, acusado ou réu.
O posicionamento é inédito, visto que, até onde se sabe, o jurista se apresenta como um garantista fervoroso, pautando-se sempre nas lições de Ferrajoli e de outros expoentes dessa vertente intelectual em seus escritos ou manifestações.
A postura é surpreendente, mas não é inédita, visto que o direito criminal se movimenta sob os influxos do princípio da seletividade, elegendo “amigos” e “inimigos” ao sabor da demanda popular, dos ventos políticos, dos humores dos atores processuais e de diversos outros aspectos.
Infelizmente, isso é normal.
As pessoas mudam, o Direito muda, mas o texto constitucional permanece contendo o silêncio e a não autoincriminação como direitos e garantias fundamentais inalienáveis, que não podem ser negados a quem quer que seja.
Os direitos fundamentais devem valer para todos, mesmo para os que usaram da máquina pública para autopromoção, deixaram de comparecer a compromissos presidenciais para participar de “motociatas” e foram responsáveis ativos pelas mais de 600 mil mortes decorrentes da Covid-19.
Direitos humanos se aplicam também aos humanos que detestamos e não há qualquer respaldo idôneo a permitir que se fale na relativização dos direitos ao silêncio e à não autoincriminação.
A manifestação do Lênio Streck – por quem, ressalto, nutro grande admiração – é deveras prejudicial, uma vez que pode ser adotada pelos magistrados, pelos Tribunais e pelas Cortes Superiores, sendo capaz de prejudicar pessoas comuns, que respondem processos menores e que não dispõem dos meios de defesa eficazes.
O silêncio é um direito legítimo, pertence à classe dos direitos fundamentais e, seja qual for a circunstância, não pode ser utilizado em desfavor do investigado, do acusado ou do réu em um Estado Democrático de Direito que, mesmo com as tentativas de golpe, mantém-se dessa maneira.
Que o inelegível responda por seus atos, mas que o devido processo legal seja respeitado. Assim fica tudo joia e nenhum direito é colocado em cheque.