Por Thaís Jatobá, advogada
Você já entrou em uma farmácia e, ao solicitar o preço de um produto, foi surpreendido com a pergunta: “me passe seu CPF?”, sendo induzido a acreditar que fornecer seu CPF na compra de um produto ou medicamento iria te dar direito de ter altos descontos nos preços.
Essa prática é muito comum na maioria dos estabelecimentos farmacêuticos e despertou a atenção das autoridades.
Recentemente, foi descoberto que existia uma farmácia no Brasil que registrava todas as compras que os consumidores faziam desde 2008, contendo diversos dados, como o CPF, a data da compra, local, produto, valor pago e desconto oferecido.
Inclusive, uma farmácia foi condenada a pagar uma multa no valor de quase R$ 8 milhões por condicionar descontos ao fornecimento do CPF do consumidor no ato da compra, sem oferecer informação clara e adequada sobre abertura de cadastro do consumidor.
Essa prática viola o direito do consumidor, já que a informação precisa ser clara e adequada sobre o serviço ofertado e sobre os riscos à segurança de dados, especialmente por capturar informações pessoais sem informação prévia ao consumidor. Além disso, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a abertura de cadastro, ficha ou registro com dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. E em caso de vazamento de dados, os registros de aquisição de medicamentos, por exemplo, podem ser utilizados por uma operadora de plano de saúde ou seguradora para negar cobertura, seguro ou indenização.
Vamos considerar a seguinte situação: o plano de saúde é ligado à rede de farmácia que tem acesso a todos seus dados. Ao obter seus dados, ele se depara com a informação de que a sua saúde está fragilizada e logo, provavelmente, você utilizará mais os serviços do plano, gerando gastos para a empresa. E o que a operadora de saúde faz? Te coloca em um grupo de risco e aplica um adicional de valor no seu plano.
No banco de dados de uma farmácia você pode, por exemplo, saber que um consumidor possui doença crônica, doenças sexualmente transmissíveis, doenças degenerativas, qual a orientação sexual dele, se toma medicamentos controlados, se compra medicamentos para impotência sexual, preservativos, anticoncepcionais, se possui problemas de hemorroidas, vaginite, se é depressivo, se apresenta ideação suicida, além de inúmeras outras informações, já que as drogarias hoje vendem de quase tudo.
Uma outra situação pode acontecer: um anunciante qualquer entre em contato com a rede, diz qual público quer atingir e a empresa faz a busca no banco de dados da farmácia e vende suas informações para o anunciante, que fará propagandas direcionadas e personalizadas.
Nesse tipo de farmácia qualquer coisa que o cliente compre é registrada, desde remédio com receita controlada, até desodorante. São dados de 48 milhões de pessoas e que estão sendo usados por empresas da mesma rede.
E repito: a empresa tem esses dados porque ela pede seu CPF, sob pretexto de que isso diminui o preço, mas na maioria das vezes, isso não é verdade. O escopo principal do suposto programa de fidelidade é o de captar e capturar os CPFs dos consumidores e não desenvolver, em si, um programa de vantagens.
No Brasil, o Estado aceita uma planilha que diz quanto cada medicamento pode custar, no máximo -ou seja, aqui o remédio Nimesulida, por exemplo, pode custar de R$ 5 a R$ 30 a depender da tabela ligada à Anvisa. É isso que permite que indústria e farmácias pratiquem preços fictícios e peçam nossos dados para conceder descontos também fictícios.
A promessa dessas farmácias é que se o consumidor fornecer o CPF, o cliente terá descontos de até 70% no preço dos produtos. Todavia, esse preço “com desconto” é meramente fictício, fazendo com que os consumidores tenham a falsa impressão de que estão pagando muito menos.