Por Nila Lôbo, advogada
Em julgamento do Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 229.558, interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu pela inaplicabilidade da clemência para absolvição por crime de feminicídio e determinou a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
A clemência é um instituto jurídico que isenta o acusado de pena, mesmo quando reconhecidas a materialidade e a autoria delitivas – ou seja, no procedimento do Tribunal do Júri, os jurados entendem que o crime ocorreu e que foi o acusado quem o praticou, mas decidem, motivados por razões diversas, absolvê-lo.
Ao entender do Ministro Edson Fachin, tal instituto não pode ser invocado quando o crime em apuração for feminicídio, de modo que os jurados não podem ser perguntados se, independentemente do reconhecimento da ocorrência e da autoria do crime, absolvem o acusado.
Para o Ministro, a invocação da clemência pode dar azo à absolvição com fundamento na inconstitucional “legítima defesa da honra”, além de ir de encontro aos avanços na legislação penal no que diz respeito ao combate à violência e à discriminação contra a mulher. Nesse sentido, vejamos um trecho do voto:
Sem precisar ser exaustivo, mas apenas para indicar os limites das causas de absolvição, é absolutamente contrária à Constituição a interpretação do quesito genérico que implique a repristinação da odiosa figura da legítima defesa da honra. Os avanços da legislação penal no combate a discriminação contra a mulher, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, não podem ser simplesmente desconsiderados pela interpretação sem limites da quesitação genérica.
Nessa toada, também foi estabelecido que, a despeito de não ser cabível a análise da fundamentação acolhida pelos jurados no âmbito do Tribunal do Júri, uma vez que esses não precisam motivar suas decisões, “nada há no ordenamento jurídico que vede a investigação sobre a racionalidade mínima que deve guardar toda e qualquer decisão”.
A posição de Fachin foi acompanhada pela maioria dos Ministros da Segunda Turma do STF, de maneira que, atualmente, prevalece o entendimento de que o crime de feminicídio é insuscetível de clemência, não podendo os jurados absolverem o acusado se reconhecerem que ele praticou o delito.