Por Matheus Militão, advogado
No último domingo, (17), o Grupo Gay de Maceió (GGM) divulgou dados do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, os quais revelam que 273 foi o número de mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil em 2022. Foi uma morte a cada 32h e o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas da sigla no mundo.
No documento, consta que 238 mortes decorreram de homicídios, 30 de suicídios e 15 de causas relacionadas à LGBTfobia estrutural – como exemplo, o Dossiê cita mulheres trans ou travestis que morreram após a aplicação clandestina de silicone industrial.
Até aqui, elas seguem no front: 58,24% das mortes registradas são de mulheres trans ou travestis, 35,16% de homens gays, 2,93% de mulheres lésbicas e 0,74% de outros segmentos.
O Dossiê não comporta a cifra oculta; os casos que não foram registrados como mortes decorrentes de LGBTfobia ou por ela influenciados, havendo a possibilidade – ou melhor, a imensa probabilidade – de subnotificação.
Ressalvadas as imprecisões, resta que os números contam histórias. A que se escuta ao folhear o Dossiê é a da precariedade das vidas das mulheres trans e travestis, pessoas que parecem só conseguir sair da marginalidade para ilustrar suas mazelas.
O percentual de mulheres lésbicas também provoca reflexão: será que só foram 2,93% ou será que, mais uma vez, como de praxe, elas foram invisibilizadas pelos mecanismos formais e informais de controle social?
Josy Kelly, a mulher de incríveis 61 anos
O Dossiê menciona Josy Kelly, uma mulher de 61 anos, técnica de enfermagem e ativista social conhecida em Arapiraca/AL por lutar pelas pessoas LGBTQIAPN+, sendo, inclusive, integrante do Conselho Municipal de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
A idade chama atenção, uma vez que a expectativa de vida de uma mulher trans ou travesti no Brasil corresponde a 32 anos, mas, depois de correr com a morte em seu encalço, fugindo da maldita premonição por 29 anos, Josy Kelly a encontrou em dezembro de 2022.
Seu corpo foi achado em sua cama, bastante ensanguentado, já em estado de decomposição, no local em que residia, dois dias após o crime.
Depois de morta, Josy continuou a ser violentada, pois, em uma das poucas reportagens em que a ocorrência foi veiculada, especificamente na do “Alagoas 24 Horas”, foi descrita como um homem gay.
Em entrevista ao portal “7 Segundos”, apesar de bem intencionado, o titular da Delegacia de Homicídios de Arapiraca se refere à Josy pelo seu nome de registro, trata-a pelos pronomes masculinos e afirma que ela era um “homem homossexual”.
Nesses momentos, acredito que a Josy e as suas irmãs se perguntem: “a quem enviaremos, e quem há de ir por nós?”
Até o momento, não há novas informações a respeito do caso da Josy. Aparentemente, com a pífia cobertura midiática e as precárias condições de trabalho da Polícia Civil, o caso não foi solucionado. Aqui, a pergunta de Judith Butler vem a calhar: “quando a vida é passível de luto?”
Para que se faça justiça em crimes que vitimam pessoas LGBTQIAPN+, é necessária a atuação de agentes de segurança pública, operadores e operadoras do direito qualificadas, sendo imprescindível a atuação de advogados, advogadas e advogades especializados na assistência à acusação.
Fontes:
https://www.instagram.com/p/CxSzT-fLg-6/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==